terça-feira, 7 de julho de 2009

Nossas crianças estão perdidas


“Olhe aí o meu guri”

O menino tem 13 anos e uma vasta biografia de crimes: oficialmente, um latrocínio, dois assaltos e um sequestro. Pesa-lhe nas tenras costas a morte do cobrador do alternativo que chocou a cidade semana passada. A gente diz o milagre, mas não diz o nome do santo. No máximo é permitido as iniciais, diz o ECA, para resguardar-lhe a identidade, porque se trata de um ser em peculiar estágio de desenvolvimento. Se este escriba declinar-lhe o nome, o órgão de imprensa e o escriba tomarão no órgão.

O menino não tem pai. Nem mãe. Mora com a avó na favela do Mosquito, entre a linha férrea e o mangue, no leito do rio Potengi. A avó quis que ele fosse gente e o matriculou no colégio Tributo à Criança, uma escola municipal que funciona na localidade, mas lá o menino só aprendeu a fumar maconha. E o vício é a raiz de todos os crimes. Depois de sete anos de estudo, quando pedida sua assinatura, na delegacia, ele informou, constrangido, que era analfabeto.

Mas não ficou constrangido nem titubeou quando disse que atirou na testa do cobrador, e o fez numa descontração tal, como se a execução de um trabalhador em seu posto de serviço fosse a coisa mais banal do mundo. Depois do tiro fatal, a figura tenra e em “peculiar estágio de desenvolvimento mental e físico” juntou-se ao seu comparsa, atravessou a linha do trem (pena que o trem não passava na hora) e foi dormir. Quem cunhou a expressão aí de riba nunca andou num alternativo desses. Passa pela favela do Mosquito de helicóptero ou na imaginação. Se andasse, ia ficar com medo de dar de cara com um garoto desses.

A avó esquentou sua janta, armou a rede e o cobriu com um mosquiteiro e ele dormiu como um anjo, um anjo sujo, do jeito que viera da rua, as mãos ainda chumaçadas de vestígios de pólvora. Dessa vez não trouxera “tanta corrente de ouro, seu moço que haja pescoço para enfiar”, nem “carne, galeto, pneu, gravador”. Num alternativo, mesmo sendo bem sucedido o assalto, amealha-se pouco. É o assalto do desespero, cujo criminoso na maioria das vezes é o “noiado”, o viciado, aquele que arrisca tudo para dar umas baforadas no cachimbo de crack.

Não advogo diminuição da maioridade penal para 16 ou 14 anos. Também não sou a favor de trucidar meninos pobres infratores. Mas de que adianta uma legislação de primeiro mundo, se a realidade do menino é o Mosquito, a droga, a fome, a ausência total do Estado? Uma cadeiazinha de gente grande para esse tipo de cara bem que seria bom. Pelos menos esticaria mais um pouco a sua existência, pois poucos como esse menino ai atravessam a casa dos dezessete.

Aldo Lopes de Araújo (Delegado Adjunto da Defur)


OBS: resolvi publicar esse texto de Dr Aldo pois ontem, mais uma vez esse mesmo adolescente foi preso assaltando um ônibus com outros 2 "amigos".

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